terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Solos - Corretivo de pH

Antes de mais nada gostaria de dizer que foi o cão chupando manga conseguir juntar todas essas informações, então espero que sirva pra vocês, porque se não servir... paciência, meus caros. Inclusive, procurei por conhecimento lá no fundo do meu âmago, numa região onde eu pensei que nunca mais precisaria voltar: as aulas de Química Inorgânica e Analítica.

Bom, primeiro de tudo vamos falar do fenômeno mais desgraçado da agricultura: o pH. Como já expliquei no post passado, os solos tropicais costumam ter o pH ácido, e isso causa dificuldades nas trocas de nutriente em solo e planta, reposição dos nutrientes disponíveis nas soluções do solo, aumento da saturação de alumínio, cátion tóxico para as plantas, e outras merdas mais, assim procurei alternativas para desfazer esses efeitos ridiculamente incômodos do pH baixo, que seria aumentar o pH, sem muita tecnologia, e adivinhem crianças? CONSEGUI. O processo seguinte equivale a parte do processo de correção do pH "improvisado".

A substância que seria corretiva de pH, uma base forte, ou um sal com característica de base, é (pasmem) a cinza de madeira. Vamos pensar: qualquer organismo vivo é composto principalmente de carbono, nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, e outros micronutrientes que são cátions, ou seja, vindos de bases. Agora vamos pensar mais um pouquinho: o nitrogênio, durante os processos biológicos, é liberado na atmosfera na forma de N2, e menos na forma de NH3, e o carbono na forma de CO2 ou CO, e, por incrível que pareça, esses compostos são os que teriam maiores poderes acidificantes em um "caldo" de organismo vivo (outro elemento perdido para a atmosfera com por processos biológicos é o enxofre). Dessa forma sobra apenas o fósforo com esse poder, mas que geralmente forma compostos pouco solúveis, ou sais, que ou se comportam como neutros, ou como bases, assim as cinzas apresentam característica de base, capaz de aumentar o pH do solo! As cinzas serão obtidas, claro, a medida que ocorre utilização de lenha, principal matriz energética em pequenas propriedades. É importante que ela seja recolhida no final de cada dia, sem exceção, pois é facilmente levada com o vento, e deve ser armazenada em tambores fechados, secos, sem contato com o sol, para manter a estabilidade dos sais e das bases, e deve ser peneirada, mas bem por cima, só para tirar os possíveis carvões, que, em solução, deixariam o meio mais ácido. Clique aqui para visualizar uma publicação confiável confirmando tal assunto, que por sinal foi muito bem escrita e explicativa.

Para saber quanto aplicar, você pode fazer aquele experimento maneiro com pequenas áreas iguais divididas e com as mesmas plantas plantadas, e ir aplicando doses diferentes de cinzas e observar a resposta das plantas, ou você pode aplicar uma quantidade média, ou seguir esse meu método caseiro.

Aqui vai um método desenvolvido by me que não tenho certeza se dará bons resultados com vocês, mas que funcionou comigo.

Amostragem: O que primeiro precisa ser determinado é a acidez do solo, para depois ser determinada a quantidade de cinzas a ser adicionada, e para isso precisamos da amostra de solo. Aqui vai uma noção de amostragem de solo: A profundidade da coleta das amostrar, no nosso caso, deve estar entre 20 e 35 cm, mas uns 20 cm é mais do  que suficiente. É IMPORTANTE QUE A AMOSTRA CONTENHA SOLO DE TODA A CAMADA 0-20 cm, E QUE A AMOSTRAGEM SEJA FEITA EM DIA EM QUE O SOLO NÃO ESTÁ MUITO ÚMIDO. A amostra deve ser composta: segundo o professor que me deu aula sobre nematoides, a amostragem em propriedades familiares pode ser no formato "zig-zag", e quanto menos material orgânico não decomposto, melhor, nesse caso. Durante a coleta, deve-se evitar amostrar em locais próximos a casas, brejos, sucos de erosão, formigueiros, caminhos, com palhas excessivas, e etc. Um amostrador de solo deve ajudar no serviço, para padronizar as quantidades retiradas de cada amostragem, como um trado.
Guia de amostragem da ESALQ: http://www.solos.esalq.usp.br/coleta.htm

Lógica do Processo

Agora o bagulho começa a ficar loko. Você vai precisar de um instrumento celeste que se chama pHmetro de solos, o qual você basicamente enfia uma parte dele no solo, aperta o play, e espera a mágica acontecer. Alguns, inclusive, são movidos a pilha, o que pode parecer ruim, em um mundo sem eletricidade, mas digo a vocês que é possível recarregar pilhas recarregáveis apenas com fogo, graças à criatividade dos inventores de um "nice device" que ainda comentarei. Você deve medir o pH do solo que foi colocado no balde e que teve suas sub-amostrar bem misturadas, e se o leitor indicar um pH abaixo de 4,5 você deve tomar atitudes, mas, para garantir que tudo vai andar como você planejou, eu recomendaria almejar um pH de 5 a 6.


Em seguida, através de um recipiente com medidas volumétricas conhecidas, deve ser retirada uma quantidade de solo conhecida da amostra, e esse volume anotado (vamos chamá-lo de I). E esse valor não deve passar de 100 mL, mas 25 mL estará ótimo. Em seguida, esse solo deve ser aquecido a seco, para saída de água. É MUITO IMPORTANTE PESAR O SOLO ANTES E DEPOIS DA SECAGEM. Depois deve ter seus pedaços maiores quebrados em forma de um pó fino, com ajuda de um pilão ou cadinho, e tudo deve ser peneirado em peneira fina, para tirar pedaços de raízes ou pedriscos. O que resultar é a quantidade de solo que vai ser misturada em água, que pode ser uma quantidade razoável de 300 mL de água destilada (vide obtenção de água destilada no final do post). Após isso, espere que ocorra um pouco de decantação, e depois faça filtração com filtro comum, ou mesmo em tecidos mais grossos, como meias, que devem estar previamente lavados/limpos. Reserve essa preciosidade em recipiente limpo, sem contaminantes, em ambiente sem luminosidade e sem temperaturas elevadas, e que deve conter os 300 mL de água, ou um pouco menos, já que se perde por adsorção e absorção, no caminho.

A grande sacada: A diferença de peso antes e depois da secagem é proveniente da saída de água, que na realidade é a maior parte da água do solo, que chamaremos de V1 (em gramas ou mililitros). Claro que sempre um pouco de água permanece no solo, mas nada é perfeito, e vale lembrar que nossos recursos são extremamente limitados. Se você fez ensino médio e prestou atenção nas aulas de química, sabe que:

C1.V1=C2.V2        dH2O=1000kg/m³=1g/mL

Com isso vamos às contas: A concentração em questão é a concentração hidrogeniônica, ou seja, de H+, e se vocês fizeram a lição de casa sabem que isso se reflete no pH. Pois bem, se o pH do pHmetro indicou um pH de x, sua concentração de H+ será 10^-x, que será o C1. O valor de V1 você já calculou, e o valor de V2 é 300ml.

A nova concentração de H+ será C2, da seguinte forma:  C2=C1.V1/V2

C2= (10^-x).V1/300 e o novo pH, após a diluição em 300 mL, será -logC2

Em seguida, você deve fazer exatamente os mesmos cálculos, mas agora, o valor de C1 será dado, e será 10^-5 (C1'), que é a concentração hidrogeniônica de uma solução em pH 5 do solo em questão. O valor desse novo C2 (chamado C2') determinará o valor que o pH da solução de 300 mL deve atingir, a partir do nosso primeiro C2, adicionando cinzas, para que a proporção de solo e cinzas seja CERTAMENTE ideal para deixar o pH do solo em 5,0.

C2'=(10^-6,5).V1/300 e o novo pH' será -logC2'

Importante: como o V1 é o mesmo, é importante que o solo seja coletado 2 ou 3 dias após a chuva, numa condição "comum" de umidade.

Agora é bem fácil: após uma boa decantação dos 300mL de água + solo, ir adicionando cinzas de madeira e medindo o pH, até que ela chegue no pH' de -logC2'. Claro que você deve anotar a quantidade de cinzas (Q) que você utilizou. Eu faria isso encontrando a densidade das cinzas, e iria adicionando cinzas com um recipiente pequeno de volume conhecido, enquanto anotava quantas vezes repetia o processo, e conforme o pH fosse se aproximando de pH', adicionava com mais cautela, até encontrar quantos % do recipiente foi utilizado de cinza para alcançar esse pH na última adicionada de cinzas. Depois faria os cálculos com a densidade e encontraria a massa de cinzas, em gramas, utilizada (Q), mas cada um pode fazer do jeito que mais se adéqua às suas necessidades e capacidades . Para esse processo de medição de pH de solução, o pHmetro de solo não serve, mas existem inúmeros pHmetros para medir pH de água no mercado, inclusive para aquários de peixes, que são bem práticos e seriam perfeitos para essa situação.


Resultado

Essa quantidade Q reagiu com I mL de solo (já que dos 300 mL) para atingir o pH' que corresponde a 5,0 na solução de solo como ele é, no terreno. Essa é a proporção que queríamos atingir com tudo isso. Essa parte, com certeza, é a parte chave do post, a mais importante.

Q g ------- I mL          -------->     N = Qx10^6/I  g/m³ ---------> N = Qx10^3/I kg/m³
N g ------ 10^6 mL       --------->

N é a quantidade de cinzas necessária para elevar o pH para 5,0 em 1 metro cúbico de solo. Mas podemos fazer melhor, não podemos? Sabemos que consideramos 0,2 m (20 cm) de profundidade, então podemos resumir N em m², ou seja, em área, que será chamado N':

N kg --------- 1m x 1m²    ---------->   N' = Qx4x10^2/I kg/m² 
N' kg --------  0.2m x 1m²  --------->

N' é a quantidade de cinzas necessária para elevar o pH para 5,0 em 1 m² de solo, considerando uma profunidade de 0,2 m de solo. É só multiplicar isso pela área que será cultivada, e você terá quanto de cinzas deverá ter para corrigir o pH da sua área.


Considerações

É importante destacar que não levei em conta efeitos de variação de umidade da água no solo , o que compromete um pouco o valor de V1, então compromete um pouco o resultado final. Além disso, quanto aos pHmetros, existem vários no mercado, alguns são caros, mas existem de vários preços, e até de preços que não dá pra acreditar (vide Mercado Livre), e não esqueça de pegar toneladas de soluções de calibração (aqui cabe um Wikipedia, de leve). Acima de tudo, amem meu professor de química, assim como eu o amava.

Efeito Tampão: O solo possui seu efeito tampão, de resistência às mudanças do pH, através de alumínio e hidrogênio adsorvidos nas partículas do solo, mas como essas variáveis já estavam imbutidas naqueles 300ml de solo desestruturado, e que foram superados pela adição de cinzas, não achei necessário citar/explicar.


Obtenção de Água destilada: Você vai precisar de uma lona de plástico, um recipiente de água grande e largo, e outro menor, que caiba dentro desse. Você coloca um dentro do outro e a lona por cima, com um peso no centro da lona, e expor tudo isso ao sol direto. É importante que a lona não toque a aresta do recipiente menor. A água normal é colocada no recipiente maior, e a água destilada fica no recipiente menor. Caso seja necessário, você pode colar os recipientes com cola resistente à água, para evitar com que o recipiente menor boie, e você pode fingir que o desenho foi bem feito, para evitar com que eu deixe de desenhar por falta de talento.






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